sábado, março 03, 2007

Alface

Há algum tempo tive oportunidade de ler "Cá Vai Lisboa". Gostei do estilo marginal do escritor Alface, pseudónimo de João Alfacinha da Silva.
Ontem, enquanto participava num evento, dedicado precisamente ao romance que referi, morreu. Coincidência... A morte, para além de inoportuna, está cada vez mais estúpida.
Aqui fica um pouco de "Alface"
«Nesse nesse caso, temos um problema. Um ganda problema, pá. A voz era a dele, Frederico de Almeida, arranque maratona para esbaforir num sprint de 60 barreiras. Falso falsete, funil em laringe. Há 20 anos que eu não podia com aquela voz. Já na Faculdade a voz do Rico me eriçava (então chamavam-lhe Fede Rico). Nessa época ainda as frases não concluíam com o alçar das mãos papudas, cerrando dedos e anéis e despenhando punhos no tampo da secretária. Um pobre móvel de estilo circunspecto semeado de mossas presidenciais diariamente prodigalizadas. É pa isto qu’eu te pago, pá? Pa ter problemas? Não. Na verdade eu era pago para resolver problemas: recolher malas com notas, distribuir envelopes com notas, arranjar encontros discretos, arranjar gajas discretas, comprar gajos, afastar gajos, tramar gajos. Tarefas de assessor pessoal, homem de mão. Levar a mulher às compras, os putos ao colégio. Pago para não esquecer aniversários e adversários. Redigir discursos, espiolhar jornais, ver televisão, ouvir rádio, topar a net. Telemóvel sempre ligado. Pago para conhecer toda a gente e ser conhecido só por alguns. Pago para não me queixar.Há eleições à porta, pá. Esta merda pode complicar-me o esquema.»

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