sábado, agosto 09, 2008

Olhos d'água

Crédulos com os benefícios do iodo, da sardinha, do bronzeado, do "descanso" e das braçadas em água salgada, muitos veraneantes rebolam, aos magotes, em direcção ao Sul - o fast-food tem este lado generoso e poupadinho, dispensa gastos excessivos em combustível -.
Agora que estou de férias, resolvi, a propósito desta migração, fazer um estudo em prol do ambiente. Peguei nas minhas canas de pesca e nos molinetes (enferrujados pelo desuso) e rumei a sudoeste, para esperar um grupo alvo junto à linha de água.

Na esperança de encontrar um peixe que se entusiasmasse com a isca - cada vez é mais difícil encontrar um peixe na costa - lancei o anzol eminhocado e sentei-me numa das rochas à beira mar. Nas rochas, à volta delas e entre elas, viviam, há uma dezena de anos: lapas, camarinhas (pequenos camarões), bruxas (uma espécie aparentada ao lagostim), caranguejos, búzios, tiagem e mexilhão. Era um fervilhar de vida que se estendia ao areal, rico em bivalves - alguns bem deliciosos como as conquilhas, por exemplo -; hoje dão-se alvissaras a quem encontrar uma lapa nas rochas, ou uma conquilha na areia.

Entretanto, enquanto com umas voltas de molinete ajustava o lugar exacto para o poiso da isca no fundo, surgiu uma família tipicamente candidata a beneficiária do "íooodo". Aproximei-me.

O rapaz, que trazia geladeira, pousou-a no areal e, antes de a colocar no resguardo do chapéu-de Sol, levantou a tampa para confirmar sorridente a existência de umas latas de coca-cola, um melão do Ribatejo, meia melancia - embora não muito vermelha, bem mais vermelha que Jerónimo de Sousa ou Bernardino Soares - e mais uns acepipes que, por se encontrarem lá bem no fundo, não consegui vislumbrar.
O homem, livrou-se das toalhas e do "Record" e espetou a vara do "chapéu", com a força que a saudade do gás do vinho verde gelado imprime.
A mulher, na casa dos 40, sentou no areal o filho mais pequeno e arrumou as tralhas - a dos baldes e de outros vasos de plástico, a farmacêutica e a de cosmética -, sob o chapéu, com a minúcia que a ocasião supostamente exige.

Pareceu-me, cá de longe, que a ponteira da cana dava sinal de um peixe e, prevendo uma baila de tamanho generoso, fui até lá. Nada que justificasse fazer o trajecto; provavelmente um saco de plástico, empurrado pela corrente da vazante, terá batido com força suficiente na linha, a ponto de parecer o estrebuchar de um peixe.

Quando voltei ao grupo, já o rapaz tinha escavado um buraco profundo. O homem, visivelmente untado, debatia-se com o vento nas folhas do jornal, revelando desconhecimento de como aproveitar o vento para evitar o esforço de folhear. Ela, a mãe, tentava calar o berreiro do mais pequeno com um "Danoninho", enfiando-lhe o fluído goela abaixo, a bom ritmo.

O Sol começou a dar sinal de querer torrar os mais distraídos e eu, ali a trabalhar de borla, enrolei o estojo e rumei até casa. Pelo caminho parei num dos retiros onde os lobos do mar se hidratam.
- Um café, se faz favor... N.! Qué das bailas?
- Onde foste?
- Olhos d'Água! Na tal pedra...
- Oh Diacho! Aquilo está cheio de merda!
- Hum?!!
- Rompeu-se para lá um tubo das máquinas de moer...
- Da ETAR?
- Diz que foi rato que roeu uns tubos...!
- Um rato?!!! E havia gente na praia?!
- Aquilo... o pior já passou... os peixes é que não ligam nada às bandeiras. Olha as bailas... matreiras como elas são... mudavam a bandeira e elas vinham a correr com a melancia às costas. Eh! Eh! Eh!

Vim até casa a pensar num novo título para o putativo estudo... Mas nada me ocorreu que pudesse competir com o original: "Os benefícios do iodo." Talvez... "Ratos comprometem benefícios do iodo", mas... caramba, parece um título do "24Horas". Malditos ratos!

3 comentários:

saltapocinhas disse...

que cusco!!
consegues quase superar-me!!!

eu faço parte do rol dos que vão até aí abaixo, mas não me revejo na família que observaste.
aliás, eu não preciso de sair daqui para ver desses espécimes!! por aqui também há!

mas por aí não costuma haver a nossa tipica nortada e o nosso tipico nevoeiro matinal (que se costuma prolongar até ao meio.dia!)

por isso, um dia destes (penso eu, que com tantos adiamentos já nem digo nada!) haverá por aí mais uma família nortenha!
só espero não ir para o lugar onde tu estás a pescar!!
livra!!!

José António disse...

Felizmente ainda há por aqui muitos lugares para fazer uma boa praia, embora com as limitações de espaço que Agosto impõe. Para os teus lados a água fria, o vento e a neblina sempre evitaram que me afoitasse.
O episódio de Olhos d'água (uma praia em Albufeira) é que me pareceu caricato e por isso mereceu um post. Acontecer em Albufeira, no Verão? É absurdo! E a justificação do rato... essa então é absolutamente brilhante.

saltapocinhas disse...

eu conheço olhos d'agua, até estou meia traumatizada com essa praia: fartei-me de provar água e era sempre salgada!!

hoje fui a uma praia daqui (costa nova) e vim embora num instante, cheiinha de frio, isto apesar de nem ter saído da esplanada!!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Contador

Este blog possui atualmente:
Comentários em Artigos!
Widget UsuárioCompulsivo
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...